TROMBOFILIA NO DIA DE HOJE

Publicado em 18/05/2023

Escrito por Dr. Rodrigo Berger, ginecologista e especialista em trombofilia e gestação de alto risco (CRN 14868 PR)

 

Trombofilia não é uma doença; ela é uma condição, em que o sangue sofre alterações de coagulação, onde ele apresenta um caráter mais “grosso”. Isso interfere na placentação; à medida que o sangue engrossa, há o descolamento da placenta, interrompendo o processo gestacional. A trombofilia pode se apresentar de duas formas: adquirida ou hereditária.

Sempre falo que uma má placentação – falha na implantação da placenta – é responsável pela grande maioria das complicações que uma gestante pode ter no período de gestação e na falha de implantação do bebê. São complicações, tipo: abortamentos e óbitos fetais, que são totalmente evitáveis. Mas o que seria placentação?

A placentação é a implantação da placenta; e uma gestação saudável passa por essa implantação de forma correta. Placentação é o período de desenvolvimento da placenta, quando ocorrem duas ondas de invasão do trofoblasto na parede do útero da mulher grávida. A primeira onda acontece próximo da 13a semana e a segunda onda, próximo de 24 semanas. Para termos uma boa placentação precisamos diagnosticar e tratar dois fatores: o fator imunológico e o fator vascular (coagulação – trombofilias).

O diagnóstico precoce de trombofilia é importante porque a condição aumenta o risco de desenvolver coágulos sanguíneos que podem levar a complicações graves de saúde. Se não for diagnosticada e tratada precocemente, a trombofilia pode levar a:

  1. Trombosevenosaprofunda:umcoágulodesanguequeseformaemuma veia profunda, geralmente nas pernas, que pode levar a inchaço, dor e vermelhidão no local, e pode levar a complicações graves, como embolia pulmonar.
  2. Emboliapulmonar:umcoáguloquesedeslocaparaospulmõesepode causar falta de ar, dor no peito e até mesmo a morte.
  3. Complicaçõesnagravidez:atrombofiliapodeaumentaroriscodeaborto espontâneo, pré-eclâmpsia, parto prematuro, crescimento restrito do feto e outras complicações na gravidez.

O diagnóstico precoce de trombofilia é essencial porque permite que o tratamento seja iniciado o mais cedo possível para prevenir coágulos sanguíneos e outras complicações. Isso pode incluir o uso de medicamentos anticoagulantes, mudanças no estilo de vida, como fazer exercícios regularmente e manter uma dieta saudável, e outras intervenções médicas, dependendo da gravidade da condição e das necessidades individuais do paciente.

Por isso, se você suspeitar de ter trombofilia, é importante procurar atendimento médico imediatamente para receber um diagnóstico preciso e iniciar o tratamento necessário para prevenir complicações graves.

Muito importante investigarmos e tratarmos a trombofilia na gestação. Quando não tratada ou subtrada poderemos ter complicações no processo de desenvolvimento da placenta – PLACENTAÇÃO.

Uma má placentação pode ter várias consequências para a mãe e o feto, dependendo da gravidade e do tipo de problema. Alguns exemplos de complicações que podem surgir devido a uma má placentação incluem:

1. Restrição do crescimento fetal: se a placenta não for capaz de fornecer nutrientes e oxigênio suficientes para o feto, ele pode não crescer adequadamente, o que pode levar a complicações no parto e problemas de saúde a longo prazo.

2. Descolamento prematuro da placenta: a placenta pode se separar do útero antes do parto, o que pode resultar em hemorragia grave e colocar a vida da mãe e do feto em risco.

3. Pré-eclâmpsia: esta é uma condição grave que pode ocorrer durante a gravidez quando a placenta não funciona corretamente, o que pode levar a pressão arterial elevada, inchaço, dor de cabeça e outras complicações para a mãe e o feto.

4. Parto prematuro: se a placenta não funcionar adequadamente, pode ser necessário induzir o parto antes do tempo, o que pode aumentar o risco de complicações para a mãe e o feto.

É importante ressaltar que a má placentação pode ser diagnosticada e tratada durante a gravidez, o que pode ajudar a minimizar os riscos e melhorar os resultados tanto para a mãe quanto para o feto. Por isso, é importante que as mulheres façam o pré-natal regularmente e sigam as orientações do médico obstetra.

Na maioria dos casos, o tratamento para a placentação adequada depende da gravidade da condição e pode incluir várias abordagens, tais como:

1. Monitoramento:Omédicopodeoptarpormonitoraraplacentaçãoadequada de perto, por meio de exames regulares de ultrassom para avaliar o desenvolvimento fetal e a posição da placenta. Isso pode ajudar a detectar problemas precocemente e garantir que a gravidez progrida da melhor maneira possível.

  1. Repouso:Emalgunscasos,omédicopoderecomendarrepousoparaajudara diminuir o risco de sangramento ou outros problemas relacionados à placentação adequada. Isso pode incluir descansar em casa ou ficar internado no hospital, dependendo da gravidade da condição.
  2. Medicamentos:Emalgunscasos,omédicopodeprescrevermedicamentos para ajudar a reduzir o risco de complicações. Isso pode incluir medicamentos para reduzir a pressão arterial, prevenir coágulos sanguíneos ou estimular o crescimento fetal.
  3. Partoprematuro:Emcasosgravesdeplacentaçãoadequada,oparto prematuro pode ser necessário para garantir a saúde da mãe e do bebê.

É importante lembrar que o tratamento da placentação adequada depende da gravidade da condição e das necessidades individuais da mãe e do bebê. Se você suspeita de ter placentação adequada, é importante procurar atendimento médico imediatamente para receber um diagnóstico preciso e iniciar o tratamento necessário para garantir uma gravidez saudável e segura.

Faz parte no processo de placentação também tratarmos o fator imunológico.
A hiper reatividade imunológica da futura gestante poderá comprometer a placentação. Quando falamos em hiper reatividade estamos falando de aumento de auto anticorpos . Exemplo: anti fosfatidilserina, anti fosfatidiletanolamina, anti cardiolipina. Um fator anti-nuclear alterado também pode justificar um fator imunológico.

Há diferentes estratégias para tratarmos os auto anticorpos aumentados. Muito importante fazermos o tratamento do fator imunológico e da trombofilia nas pacientes com antecedente obstétrico desfavorável.

 

A CONSEQUÊNCIA DE UMA MÁ PLACENTAÇÃO

Toda perda gestacional que acontece depois do término da placentação, sempre precisam ser investigadas trombofilia e fator imunológico. É muito provável que essas sejam a causa. Mas há outras causas, como causas infecciosas, por exemplo, que podem acontecer. Quando falo término da placentação, é em média com 24 semanas. E uma vez a placenta formada, ela não muda mais. Como nesse caso tinha um crescimento restrito, essa situação, provavelmente, aconteceu pela má placentação e isso significa que deve-se tratar fator imunológico e tratar a trombofilia.

Para termos uma boa placentação precisamos tratar o fator imunológico. Quando se fala em fator imunológico, falo dos autoanticorpos. Existem alguns deles que somente aparecem durante a gestação. Sendo assim, sua investigação deve

acontecer durante a gestação ou em até 60 dias após a interrupção da gestação. Assim, se forem pesquisar após este período, pode ser que o diagnóstico não seja feito. Muitos reumatologistas iniciam a investigação para SAAF, após 90 dias da interrupção da gestação, contudo, como estamos falando de SAAF gestacional.

Outro fator muito importante para termos uma boa placentação é o fator vascular (fatores da coagulação). A investigação para trombofilia adquirida e hereditária deve sempre ser feita. Sempre explico que a grande maioria das complicações obstétricas tem haver com uma má placentação.

A principal causa da bolsa rota, citada na literatura, é uma infecção; é uma corioamnionite, que é um processo inflamatório e, na minha opinião, essa inflamação não é somente de causa infecciosa, pode ter outras causas. Sabe qual é a complicação de uma trombofilia? Não tratada, vira uma inflamação. Sabe qual é a complicação no fator imunológico de uma gestante? Não tratado, torna-se um processo inflamatório. Então a corioamnionite, não necessariamente seja por infecção por uma bactéria ou um vírus, mas sim por um processo inflamatório, relacionado ao fator imunológico e à trombofilia. Então, a trombofilia pode, sim, ser a causa da bolsa rota.

É muito importante termos conhecimento sobre possíveis alterações no polimorfismo do gene PAI-1 e ECA. Na estratificação de risco para possíveis complicações de fenômenos tromboembólicos durante a gestação e puerpério; esta alteração no polimorfismo do gene PAI-1 4G/4G significa risco moderado para trombose.

Quando indicamos o uso da enoxaparina, sempre fazemos ajuste de dose através do exame Anti-Xa, a cada 4 semanas. Este exame deve ser colhido entre 3 a 4 horas após a aplicação da enoxaparina. Outros exames relacionados a fatores de coagulação e o peso da paciente também são considerados.

 

TROMBOFILIA ADQUIRIDA – IMUNOLÓGICA

Com certeza. O SAAF de que estamos falando, principalmente como causador dos abortamentos, das falhas de implantação, dos crescimentos restritos, tem a ver com inflamação. O SAAF é um tipo de trombofilia de causa imunológica

adquirida. Essa sigla significa síndrome do anticorpo antifosfolipídeo, e a consequência dela é um processo inflamatório. Portanto, é necessário orientar uma dieta anti-inflamatória. Converse com uma nutricionista, converse com o nutrólogo e siga uma dieta anti-inflamatória.

Quais são os alimentos que mais inflamam? Fica a dica: açúcar, carboidrato, farinha branca e outros que a sua nutricionista pode te indicar, e te ajudar muito em relação a essa dieta anti-inflamatória. É importante, sim, na gestação, fazer essa dieta.

Beta-2-glicoproteína ácida alterado, já fecha diagnóstico de SAAF? Preciso mesmo investigar trombofilias hereditárias?

Sim, beta-2 alterada já fecha o diagnóstico de SAAF. Se você já tem esse diagnóstico, o tratamento, na minha opinião, é sempre ácido acetilsalicílico em baixa dose e também enoxaparina. Porém, vale a pena investigar, também, as trombofilias hereditárias. Eu considero muito importante o polimorfismo do gene PAI-1 e do gene ECA, para estratificar o risco. Vale a pena tentar entender se há uma trombofilia hereditária ou somente uma trombofilia adquirida, exemplo SAAF.

Mulheres com queixa frequente de enxaqueca e extremidades frias: Peçam alguns exames, mesmo que você não tenha nenhum antecedente de abortamento. Isso é o que eu acredito ser o ideal, sempre investigar.

Sempre que você está tratando uma trombofilia, fator imunológico, e, mesmo assim a gestação não evolui, precisa ser feito o estudo citogenético; tente excluir cromossomopatia. Mas e quando não há cromossomopatia? Numa futura gestação eu dobro a dose, ou, pelo menos, eu aumento. Isso é comum, isso pode acontecer.

Por mais que você esteja usando a enoxaparina e está tratando com uma dose razoável, numa próxima gestação, tem que aumentar a dose e sempre fazer ajuste da dose de enoxaparina. Para descobrir o valor da dose são necessários vários exames de fatores de coagulação, como o coagulograma, proteína S livre e total, fibrinogênio, antitrombina III, dímero-D. Vale a pena você fazer, também, a

dosagem do Anti-Xa para o ajuste dose, mas esteja sempre em conversa com o seu médico. Vai dar certo!

Por que a maioria dos médicos só passam AAS infantil e enoxaparina em mulheres com diagnóstico de SAAF?

A maioria defende somente o uso de AAS infantil porque os estudos, as evidências científicas, falam sobre o uso do ácido acetilsalicílico em alta dose, mas a AAS atua em fatores de coagulação e age muito sobre as plaquetas. Eu entendo que é muito complexo esse mecanismo de neoformação vascular da placenta, do ponto de vista imunológico e do ponto de vista vascular, no processo de placentação.

Eu acho pouco, na minha opinião, somente fazer uso de AAS. Sugiro sempre a associação do ácido acetilsalicílico e da enoxaparina em todas as pacientes com doenças autoimunes, como colagenoses, SAAF e trombofilia. E também em algumas situações de alta complexidade, indico o uso de corticoide, hidroxicloroquina e emulsão lipídica.

Qual o principal exame para descobrir trombofilia?

Há vários. Mas antes de fazer o exame, sempre faça uma história clínica. Se há na sua família um histórico relacionado a trombofilia, AVC, TEP, infarto, algum problema vascular, a mãe hipertensa, o pai hipertenso, a mãe teve pré-eclâmpsia na gestação, a mãe teve algum aborto, a mãe teve alguma complicação obstétrica, se tem alguma complicação vascular, se há extremidades frias, se tem dor de cabeça, se tem pé frio, bumbum frio, enfim, há várias coisas que nos fazem suspeitar, fortemente, de trombofilia.

Mas se for pedir alguns exames, sugiro sempre começar pelos exames básicos. Antes de engravidar, comece com exames da proteína S, proteína C, antitrombina III, fibrinogênio e, aí sim, na segunda investigação você poderia pedir a MTHFR, poderia pedir polimorfismo do gene PAI-1, polimorfismo do gene ECA, da protrombina, CBS, fator V de Leiden. Mas o mais importante é a história clínica, tanto a história clínica pessoal, como também a história clínica familiar.

Quais exames para identificar a trombofilia? Tive dois abortos ano passado.

Numa história clínica com dois abortos, com certeza alguma coisa vai aparecer, porque não é normal ter dois abortos. Eu sei que, pelos protocolos, a investigação deve ser feita a partir de três abortos, mas, com dois abortamentos é claro que você pode investigar. E, quanto aos exames, peça-os no painel funcional de trombofilia: proteína S, proteína C, antitrombina III, fibrinogênio, avalie as plaquetas, homocisteína. Peça exames relacionados a SAAF: anticardiolipina IgG, IgA e IgM, anticorpo antifosfatidilserina IgG, IgA e IgM, antifosfatidiletanolamina IgG, IgA e IgM, beta-2-glicoproteína, FAN, células NK. Eu sempre sugiro investigar a cavidade endometrial, fazer uma biópsia do endométrio, uma histeroscopia, avaliar a presença de plasmócitos no estroma do endométrio. Pensar que quando tem plasmócitos, a gente pensa numa endometrite crônica, que tem que usar antibiótico. No estudo imuno-histoquímico na biópsia do endométrio e por histeroscopia, a gente consegue saber se existem células NK e outras situações.

Então, a investigação de trombofilia pode começar de uma maneira básica e você vai estendendo, vai ampliando. Se todos os exames derem negativos e você ainda me falar que tem extremidades frias e dor de cabeça, eu vou te tratar como trombofilia. Só que vão falar coisas estranhas neste tópico, porque ainda não temos literatura escrita sobre isso. Estamos avançando, aos poucos, nessa pesquisa.

Ter trombofilia hereditária dificulta engravidar?

A principal causa da dificuldade de engravidar, fator feminino, no meu entendimento, é a endometriose. Agora, se você me perguntar se a trombofilia hereditária dificulta para engravidar, eu diria que, com certeza. Quando ocorre a ovulação e na relação houve a fecundação, imediatamente começa uma cascata de produção hormonal. Esses hormônios vão mudar os fatores de coagulação. Quando, no sétimo dia, o blastocisto chega dentro do útero, se o sangue estiver grosso ou tiver alguma alteração imunológica, ele não vai se desenvolver adequadamente e você, às vezes, pode ser que nem perceba que estava grávida. Isso causa dificuldade para engravidar. Então, quando há infertilidade precisa ser investigada, tanto a trombofilia, como o fator imunológico.

MTHFR C677 homozigoto, médico diz que não precisa de enoxaparina sódica, só do ácido acetilsalicílico. Está correto?

Eu sempre sugiro fazer o uso de enoxaparina. Eu acho que a AAS é pouco, porque ela age mais a nível de agregação plaquetária. Como eu falei, o aspecto vascular é muito complexo na placentação. Eu sugiro sempre, nessa situação, principalmente de homozigose, fazer o uso da enoxaparina. Quanto à dosagem, converse com o seu obstetra.

É muito importante fazer ajuste de dose a cada 4 semanas, através da dosagem do Anti-Xa. Este exame deve ser colhido entre 3 a 4 horas após a aplicação da enoxaparina.

Toda Hellp sindrome, toda DHEG grave, toda pré-eclâmpsia, no meu entendimento, tem uma relação com a formação da placenta, é uma má placentação. Houve uma alteração no desenvolvimento dos vasos, no desenvolvimento da placenta na primeira e na segunda onda de invasão trofoblasto com 23/24 semanas. Quando acontece a situação da Hellp síndrome, é uma situação grave, em que você precisa retirar o bebê. Tendo essa necessidade da retirada do bebê de um grande prematuro, com essa prematuridade extrema, a sobrevida desse bebê é baixa. Precisamos fazer o protocolo de má placentação para evitar essa situação, e o que eu sempre falo: tem que investigar e tratar.

Para que tenhamos uma boa placentação e para que evitemos o risco de ter uma pré-eclâmpsia e tenha necessidade de tirar o bebê, temos que saber que é necessário atuar em duas frentes: no fator imunológico e na trombofilia. Então, existe, sim, uma maneira, um método de tratar a má placentação: é fazer um tratamento na parte imunológica e fazer um tratamento relacionado a trombofilia. Esse é o método de tratar a má placentação, tem solução com certeza.