FALHAS DE IMPLANTAÇÃO EXAMES, CAUSAS E TRATAMENTOS

Publicado em 06/03/2023

Escrito por Dr. Arnaldo Schizzi Cambiaghi, ginecologista, obstetra e especialista em reprodução humana, CRM SP 33692

Para muitos casais que passam por tratamentos de infertilidade, a Fertilização in vitro representa praticamente a última esperança para conseguir realizar o sonho de ter um filho. Muitos deles já passaram por outras tentativas sem sucesso de tratamentos de menor complexidade como o Coito Programado e a Inseminação Artificial, e por isso, é muito frustrante para eles que depositam todas as suas expectativas neste tratamento, ver que todos os esforços foram em vão como tempo perdido, disciplina nos horários, injeções, ultrassons, dinheiro gasto, expectativa, ansiedade – a vida parou neste período – e não deu certo. Vale lembrar que de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a infertilidade no Brasil chega a oito (8) milhões de pessoas e no mundo pode ultrapassar a marca de 186 milhões de pessoas, o que indica que cerca de 15% da população mundial sofre com infertilidade.

 

Após o teste negativo a pergunta mais comum feita pelos pacientes é: por que os embriões, ou embrião, transferidos para o útero não implantaram? A resposta não é simples, mas, devemos levantar todo o histórico da paciente e do(s) tratamento(s) realizados e analisar todas as hipóteses.

 

Vou listar abaixo algumas das principais causas da Falha de Implantação.

 

  1. ALTERAÇÕES CROMOSSÔMICAS DO EMBRIÃO

Alterações cromossômicas podem acontecer de forma espontânea durante a divisão celular que dá origem ao embrião. É um problema comum que ocorre principalmente em mulheres com mais de 40 anos, podendo causar a interrupção espontânea da gravidez ou o nascimento de um bebê com alguma síndrome genética. Isso pode ocorrer mesmo quando o embrião apresenta um aspecto próximo à perfeição no dia da transferência. Isto não significa que este será um problema repetitivo em todos os tratamentos, mas esta possibilidade deve ser considerada para se compreender que pode ter havido uma seleção natural do organismo materno que impediu a implantação do embrião não saudável.

 

Por esta razão, recomendamos que tanto o homem como a mulher realize o EXAME CARIÓTIPO, que identifica possíveis anormalidades cromossômicas “dormentes” como as alterações estruturais, inversões e translocações. Nestes casos é recomendado a biópsia embrionária para análise genética do embrião (PGT-A).

 

  1. PROBLEMAS IMUNOLÓGICOS

Os problemas imunológicos podem sim ser responsáveis pelo insucesso na Fertilização in vitro e também pelos Abortos de Repetição. Alguns autores acreditam que muitos casos de falha de implantação, na verdade, são abortos muito precoces que, após um período curto de implantação embrionária não evoluem, são eliminados e pelo pouco tempo da implantação não chega a ser detectado nos testes de gravidez.

 

Existem controvérsias a respeito deste tema, mas os resultados positivos têm nos encorajado a prosseguir com tratamentos, que só devem ser indicados em situações especiais. Os principais exames para fazer essa avaliação são:

 

  • Perfil citocinas TH1 e TH2: Linfócitos TH1 liberam citocinas são pró-inflamatórias, além de estimularem a ação citotóxica das células NK. Já linfócitos TH2 liberam citocinas que têm ação anti-inflamatória, além de inibir a ação citotóxica das células NK. No início da gravidez, ocorre um aumento da taxa de linfócitos TH2 em relação aos linfócitos TH1, ou seja, uma dominância da via TH2, fato importante para a implantação. Por outro lado, muitos estudos já demonstraram relação entre predomínio da via TH1 (logo, aumento na atividade inflamatória e citotóxica) e falhas de implantação e aborto de repetição.
  • KIR/HLA-C: Incompatibilidade de antígenos leucocitários entre o KIR= Killer Immunoglobulin-like Receptors e HLA-C = Human Leucocyte Antigen – Antígenos Leucocitários.
    Este exame pode ajudar a melhorar as chances de um resultado positivo nos tratamentos de fertilização assistida ao definir que transferir para o útero UM ÚNICO embrião pode dar melhores resultados do que transferir DOIS OU MAIS.
  1. TROMBOFILIAS

As trombofilias são doenças pouco frequentes e que provocam alterações de coagulação do sangue. Elas aumentam as chances de formação de coágulos sanguíneos e causar tromboses mínimas, capazes de impedir a implantação do embrião ou provocar abortos. Estas alterações não são detectadas em exames de sangue comuns. Os exames para esta pesquisa são feitos por coleta de sangue em laboratórios especializados e sempre com indicação médica. São eles:

  • Anticorpos antifosfolípides
  • Fator V de Leiden
  • Beta 2 glicoproteína 1
  • Antitrombina III
  • Protrombina mutação
  • Homocisteína
  • Proteína S
  • Proteína C
  • Polimorfismo 4G/5G
  • MTHFR (não é considerado trombofilia, mas interfere na coagulação)

 

O diagnóstico antecipado destas alterações, seguidas de tratamento específico, devolve a chance esperada de gravidez.

 

  1. FATOR MASCULINO

O fator masculino pode ser considerado sim um dos grandes responsáveis pela má qualidade embrionária. Ele é avaliado basicamente por dois exames, o espermograma e a fragmentação do DNA dos espermatozoides, onde calcula-se que quando o Índice de Fragmentação for igual ou superior a 16, as taxas de sucesso podem estar comprometidas.

 

As causas mais frequentes para esta alteração são: o estresse oxidativo causado pelos maus hábitos, como uso de cigarro, consumo excessivo de álcool, obesidade, entre outros. Por isso é MUITO IMPORTANTE que logo no início do tratamento de reprodução humana seja feita uma avaliação completa e minuciosa do casal, tanto o homem quanto a mulher.

 

  1. ENDOMETRIOSE

A associação entre endometriose e fertilidade é alvo de discussão há muitos anos. Os debates em torno das proporções com que esta doença afeta a capacidade da mulher em ter filhos tem causado, por muitas vezes, um “vaivém” nas condutas e tratamentos médicos. É certo que todos os tipos e graus de endometriose podem influenciar a fertilidade e o diagnóstico pode ser evidente entre outras causas de infertilidade e para isso basta a atenção do profissional. Fica como importante opção na pesquisa.

 

Como fazer o diagnóstico?

 

  • O DIAGNÓSTICO NA PRIMEIRA CONSULTA: A suspeita do diagnóstico pode ocorrer logo na primeira consulta. É importante que o médico faça as perguntas certas, objetivas e estar atento às repostas da paciente para que seja possível, já no primeiro atendimento, acertar diagnóstico em até 80%. Histórico de cólicas menstruais importantes, dor no ato sexual e inchaço abdominal, seguido de um bom exame ginecológico, obrigam o médico a pensar no diagnóstico de endometriose (às vezes pode ser confundida com a adenomiose que está frequentemente associada à endometriose).

 

  • EXAME CLÍNICO/GINECOLÓGICO: O médico que examina pode perceber no exame ginecológico de toque vaginal e retal nodulações na região posterior do útero, espessamentos e principalmente dor durante o exame desta região. Caso a doença esteja localizada no intestino em uma região superior, o profissional pode não perceber, mas os exames complementares associados ao histórico clínico da paciente ajudarão a esclarecer o diagnóstico.

 

  • EXAMES DE IMAGENS SÃO FUNDAMENTAIS: Entre eles o ultrassom transvaginal, que deve ser realizado por um profissional experiente, este é um ótimo exame pela sua precisão e facilidade. Infelizmente existem poucos médicos com experiência para um diagnóstico preciso. Esta avaliação deve ser precedida por um preparo intestinal que esvazia (“limpa”) o intestino, elimina as fezes ajudando a visibilizar as imagens. Quando este exame não for insuficiente para a conclusão diagnóstica, recomenda-se a Ressonância Magnética Pélvica.

 

  1. ADENOMIOSE

A Adenomiose é uma patologia uterina que tem relação direta com a Endometriose. Caracterizada pela presença de glândulas do endométrio infiltradas no miométrio (camada muscular do útero). A Adenomiose pode ser focal ou difusa, e, quando difusa, pode tornar o útero mais volumoso e pesado.

 

Ressonância Magnética da pelve é o exame padrão ouro para o diagnóstico, com 90% de taxa de especificidade e sensibilidade, mas uma Ultrassonografia Endovaginal com boa resolução, realizada por profissionais especializados nesta área, também pode ser utilizada para diagnóstico.

 

  1. MICROBIOMA OU MICROBIOTA: “MICRÓBIOS” NO ENDOMÉTRIO

Algumas bactérias presentes no sistema reprodutor são consideradas normais e constituem 9% da flora natural do corpo humano. Muitas delas nem sempre são facilmente identificáveis, mas considero importante investigar.

 

  1. ALIMENTAÇÃO E ATIVIDADE FÍSICA

O estado nutricional e o estilo de vida podem causar grande influência na fertilidade, tanto feminina quanto masculina. O conjunto de hábitos e práticas diárias, como elevado consumo alcoólico, tabagismo, sedentarismo e consumo alimentar inadequado, pode afetar a saúde reprodutiva de ambos.

 

Umas das dietas mais indicadas para as tentantes é a Dieta Mediterrânea, pois não é apenas um padrão alimentar, mas também uma coleção de hábitos saudáveis tradicionalmente seguidos pelas populações dos países que se localizam ao redor do Mar Mediterrâneo, como Grécia, Espanha, Itália, Portugal, Marrocos, França e os demais ali localizados.

 

  1. NÍVEL ELEVADO DE PROGESTERONA NO DIA DO HCG

Nas transferências embrionárias à fresco (hoje em dia muito raras), se o nível da progesterona estiver elevado no dia da aplicação do HCG, poderá ser responsável pela receptividade negativa do endométrio e na baixa probabilidade de gravidez. Neste caso a vitrificação dos embriões é obrigatória e a transferência programada em data oportuna sem o estímulo ovariano. Atualmente, consideramos que as taxas de sucesso dos tratamentos de FIV são superiores quando  transferimos embriões congelados e já considero rotina este procedimento.

 

  1. CONTRAÇÕES UTERINAS EM EXCESSO DURANTE E APÓS A TRANSFERÊNCIA EMBRIONÁRIA

Alguns estudos demonstraram que o embrião transferido pode ser expelido pelo útero após a transferência embrionária, o que se atribui às contrações uterinas. A Ressonância magnética cine-mode-display é o exame indicado para esta avaliação.

 

  1. ATENÇÃO AOS HÁBITOS DE VIDA 
  • Tabagismo (cigarro)
  • Drogas recreativas
  • Álcool
  • Cafeína

 

  1. MIOMAS

Os miomas submucosos são os mais importantes e interferem na anatomia da cavidade uterina e prejudicar implantação embrionária. A cirurgia nestes casos é obrigatória. Os miomas de maior volume, mesmo quando não deformam o interior do útero, podem, em algumas situações, prejudicar as chances de gestação.

 

  1. AVALIAÇÃO IMUNOLÓGICA DO ENDOMÉTRIO E SEUS DETALHES (VIDEOHISTEROSCOPIA)

O melhor exame para esta investigação é a videohisteroscopia (visibilização da cavidade uterina por um endoscópio) que além de diagnosticar as alterações citadas, pode identificar processos inflamatórios pelo marcador CD138 (endometrite) não reconhecidos em outros exames comuns. A biópsia do endométrio pode concluir esta hipótese e o tratamento com antibióticos resolverá o problema. Outras avaliações do endométrio poderão ser feitas como, por exemplo, a verificação da proporcionalidade dos marcadores das células NK, CD56, CD16, CD163 e CD45 que avaliam se o endométrio hiperimune, baixa ativação ou citóxico. Outro detalhe é a avaliação de possíveis alterações não identificadas pelo ultrassom como sinéquias uterinas, pólipos, entre outras, além de prever possíveis dificuldades na transferência dos embriões. Muitas vezes, estas dificuldades podem causar traumas no endométrio no momento da transferência embrionária e atrapalhar a implantação do embrião, principalmente quando este ato for acompanhado de dor.

 

A videohisteroscopia com a dilatação do colo beneficia a próxima tentativa que, preferencialmente, deverá ser realizada com sedação. A transferência embrionária sob a visão do ultrassom traz benefícios ainda maiores, pois permite ao médico observar o trajeto do cateter em direção a cavidade uterina, bem como mostrar ao casal a localização exata da colocação dos embriões.

 

  1. HIDROSSALPINGE

Consequência de um processo inflamatório que dilata as trompas e provoca a formação de conteúdo líquido no seu interior, prejudica o ambiente uterino, dificulta a implantação dos embriões e aumenta a incidência de abortos.

 

  1. PROTOCOLOS PERSONALIZADOS DE INDUÇÃO DE OVULAÇÃO E OUTRAS DROGAS

Os protocolos de indução de ovulação podem ter influência direta no número e qualidade dos óvulos e embriões e, por isso, mudanças neste aspecto podem ser bem-vindas. Não há um esquema único de remédios que seja ideal para todas as mulheres. Existem muitos medicamentos de ótima qualidade que podem ser eficientes para algumas pacientes, mas não para outras. Nem sempre é possível acertar na primeira tentativa. Portanto, após análise criteriosa do ciclo anterior, pode-se recomendar uma nova estratégia.

O ideal que seja realizado a Individualização dos Protocolos de Indução de Ovulação para cada paciente, de acordo com o seu histórico e a situação em que ela se encontra. Para que qualquer organismo atinja um estado ótimo de maturação (amadurecimento), deve primeiro passar por pleno crescimento e desenvolvimento, isso ocorre pois nos casos em que a maturação dos óvulos não é devidamente sincronizada, há um aumento do risco de aneuploidia (anormalidades cromossômicas estruturais e numéricas), levando ao comprometimento do desempenho reprodutivo. O potencial dos óvulos de uma mulher sofrerem maturação ordenada, fertilização bem sucedida e posterior progressão para “embriões de boa qualidade”, capazes de produzir um bebê saudável, é, em grande parte, determinado geneticamente, por isso é de extrema importância essa individualização.

A utilização de protocolos especiais como Duostim, utilização do hormônio de crescimento (GH), G-CSF, “banco” de óvulos, protocolos diferenciados  ou outras estratégias para baixas respondedoras, deve ser avaliado individualmente.

 

CONCLUSÃO

A falha de implantação não significa de forma alguma que você não vai conseguir a gravidez, mas indica que ainda é necessário realizar uma investigação mais profunda e minuciosa sobre o seu caso. Muitas vezes estas causas podem ser identificadas antes do primeiro tratamento, sendo desnecessário ter a primeira falha para que a pesquisa se inicie. O importante mesmo é nunca perder a fé e esperança.

Nós estamos sempre atentos a todas as novidades que venham ajudar as pessoas a construírem a sua família, pois a nossa principal missão é “Fazer o que há de melhor para aqueles que desejam ter filhos e não conseguem naturalmente”.

Escrito por Dr. Arnaldo Schizzi Cambiaghi, ginecologista, obstetra e especialista em reprodução humana, CRM SP 33692